quinta-feira, 25 de agosto de 2011

#12 - Seshoumaru

Podem acreditar, já ouve uma época em que relacionamentos sociais eram escassos e que não diferenciavam muito de falar com o próximo ao telefone, aparelho este que era essencial para fazer uma conexão com internet de 56kbs (E hoje essses leites com pera reclamando da net de 600). O primeiro comunicador instantâneo era o conceituado ICQ, onde você ganhava um número e, adicionando o número de um terceiro, você podia conversar com ele em um chat. O ICQ não tinha fotos e pra mandar um arquivo demorava-se décadas. Era um inferno. Mas ele tinha uma vantagem: o mistério. Você ficava louco pra tentar conhecer aquela menina que dizia ser loira dos olhos azuis na vida real, e que na verdade ela era loira dos olhos azuis, mas cospia fogo.
Achar as pessoas no ICQ era um dilema. Todo mundo ficava sassaricando pra conseguir o número de alguém, ao contrário de hoje que as redes oferecem uma vitrine de toda a sua vida para qualquer estranho poder ser seu stalker. Era muito comum encontrar números de ICQ anotados nas carteiras da escola. Todos anotavam aquele número e esperavam ansiosamente pra chegar sábado às 14 horas pra conectarem na net, pois era o horário em que a conexão ficava mais barata, para “TC” com aquela pessoa icógnita.
Até ae tudo bem, mas e quando você queria conversar com pessoas que compartilhavam os mesmos gostos que você? Aí a coisa apertava.
Makoto era um garoto que curtia uns “desenhos japoneses” (antes da palavra anime existir) e que começou a comprar as “revistinhas” dos cavaleiros do zodiaco (antes de mangá cair na boca do povo) e conhecia apenas duas pessoas que gostavam dessa parafernálha: Shirou e Subaru. Os três sentiam-se isolados no mundo, achavam que só eles no planeta, e uma prima distante de Shirou, lendária, que curtiam essas novidades. Só que os três eram pobres e não tinham cartoon network pra assistir o único desenho exclusivo do canal que a Manchete ainda não tinha passado: O Cão Demônio. Depois que a febre de Dragon Ball acabou, as revistas do gênero só falavam desse desenho. Eles começaram a se sentir ainda mais por fora do mundo, até que conheceram o paraíso chamado bate papo da Uol, sala “anime e mangá”.
Das trinta pessoas que podiam participar do chat, vinte e sete estavam com nicks de personagens do Cão Demônio. Conversa vai conversa vem, Makoto fica amigo de um cara com o nick de Seshoumaru e os dois trocam números de ICQ. Todo sábado, Makoto ficava ansioso pra ver Seshoumaru conectar pra que ele lhe contasse o resumo de Cão Demônio no Cartoon Network (naquela época não tinha como baixar um episódio em menos de um mês de download no Kazaa, e nem sites com resumos de episódios, wikipédia e afins existiam, só pra constar em ata). Seshoumaru tinha uma paciência do cão e escrevia altos resumos que fazia com que Makoto se sentisse assistindo a série e ele até arriscava discutir o desenho com o povo no chat do Uol.
Certo dia, Seshomaru resolveu mostrar o ápice da tecnologia ao mandar uma mensagem de voz pro pessoal de MKVerópolis ao mandar um arquivo de winamp com os dizeres “Ae galera, gostaria de mandar um abraço pro pessoal de MKVerópolis, flow”. Os amigos virtuais dele acharam o máximo e sentiram que o cara era muito descolado.
Porém um dia Seshoumaru veio com a bomba pra cima do seu amigo virtual: estou indo te visitar amanhã. Makoto ficou em prantos, não sabia como reagir. Internet ainda era um absurdo naquela era e como avisar pra mãe que um estranho estava vindo de um lugar muito distânte pra lhe conhecer. COMO? Depois Makoto fraguou que ele queria vir pra conhecer duas amigas que Makoto havia passado o ICQ pra Seshoumaru. O que as duas falaram ou prometeram pra ele, deve estar armazenado em algum histórico de conversa por ae, mas Makoto nunca irá saber.
Makoto tentou desconversar, porém Seshomaru estava firme e forte em sua designação e já deixou bem claro que iria ficar em um hotel. Ele só precisava de alguém que fosse buscá-lo na rodoviaria 6 horas da manhã. Mas quem teria coragem de ir buscá-lo? Makoto ficou louco com a ideia e ficou pedindo ajuda desesperado no ICQ, até que seus amigos Subaru e Shirou resolveram pedir suas mães para poderem acordar cedo no domingo e irem lá buscar o viajante. Um outro amigo, 1berto também resolveu ajudar o grupo.
Na manhã seguinte eles chegaram na rodoviária, porem Subaru estava ausente. Sua mãe havia lhe passado um sermão sobre esses encontros virtuais. “Vai que ele é um assaltante, um punk, um skinhead? O que você vai fazer?”. Mesmo assim o trio ficou esperando um ônibus vindo de um outro estado chegar. A única referencia que eles tinham era que o cara usava óculos. Os quatro estavam morrendo de medo, quando menos se espera um cara baixinho, quadrado e de óculos chega e diz: “você que é o Makoto?”. Os quatro ficaram sem palavras por um tempo até responderem e sairem mostrando a cidade pro cara. A primeira coisa que ele queria fazer era conhecer as meninas. A trupe foi para a casa da primeira, ela fingiu que estava dormindo. Ligaram pra segunda, ela falou que estava trabalhando. Chegando em casa a primeira liga para Makoto e pergunta “ele é bonito?” Makoto fica sem graça e acaba respondendo que ele não é lá uma coisa muito linda, mas é gente boa. Depois disso as meninas não quiseram mais vê-lo. Forever alone e deslocado, Seshoumaru faz amizade com Celomar, um nerd como ele e os dois passam dias e noites discutindo sobre matemáticos e engenheiros. A amizade floresceu e a vinda e a vida de Seshoumaru fez sentido.
Makoto aprendeu uma lição: nunca mais faça amigos virtuais. Mulheres dão em cima deles e depois sobra pra você hospedar a marmita. Sorte que não era um estuprador, senão a coisa ia ficar feia.

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