quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

#04 - Gol de Viatura

Gol de Viatura

Xoupex era um sujeito boa praça. Aparecia do nada, altas horas da noite, e chegava em qualquer rodinha de amigos e conseguia animar todo mundo com seus causos mais fantásticos. Alguns deles beiravam o absurdo, como o dia em que narrou a epopéia de um amigo que estava dirigindo uma Brasília e encontrou uma Carreta Bitrem estragada no meio da rodovia. Muito solidário, resolveu ajudar a “rebocar” a carreta e a danada da Brasília conseguiu força suficiente pra trazer a carreta de Campo Belo até o Posto São Vicente. Será verdade? Vamos ver!
Há fatos que foram presenciados por olhos de pessoas que não costumam mentir, como o dia em que Xoupex e Guifonho foram ganhar um bico tentando instalar uns cabos de internet na casa de uma coroa. Os dois não manjavam quase nada do assunto, mas sabiam que a missão era apenas trazer um fio da laje e plugá-lo no computador. Mas havia uma parede no meio do caminho...
Sem pensar duas vezes, Xoupex correu até a sua casa e trouxe uma furadeira para mostrar pra parede quem é que manda. Ao ver que Xoupex não se preocupou nem um pouco com o tamanho da broca, Guifonho o advertiu que aquilo não daria certo, que ela era grossa demais e que iriam fazer um estrago na parede da mulher, mas Xoupex não se atentava a esses detalhes – vai ser só um furinho, ela nem vai notar – poetizou.
Poucos minutos depois estavam cada um de um lado da parede e Xoupex iniciou o martírio da perfuração. Ele pressionava, pressionava, punha mais força, pressionava e nada da parede furar.
- Já apareceu a broca do outro lado Guifonho?
- Nada.
- E agora?
- Ainda não.
- Agora deu?
- Peraí, ta aparecendo algo na parede.
Quando Guifonho olhou com mais clareza notou que o buraco estava ficando enorme e vinha seguido de uma trincadura gigante. Os dois tentaram despistar o fato, retirando os pequenos escombros que sujaram o chão da madame e prosseguiram com a instalação da internet.
Tempo depois, a madame senta no computador para sentir a nova velocidade da sua internet. De cara, já foi para o Megacubo, um site onde é possível assistir vários canais de televisão em tempo real e de graça. A mulher, indecisa, olha os canais sem saber o que assistir. Ela vê um XXX e fala:
- Olha, deve ta passando “Triplo X”, esse filme é muito bacana.
Xoupex e Guifonho olham um para o outro, mas como queriam ver merda, não contam pra coroa o que XXX quer dizer na linguagem adulta virtual.
Quando ela clicou, não demorou nem dois segundos para ela ver milhares de corpos se enroscando tentando virar um só. Uma tremenda orgia de filmes pornôs. Como os dois se justificaram para ela, deve estar sendo contado em uma Praça espalhada pelo país afora...
Já uma Praça em especial tem uma boa história para contar sobre os pés (que outrora eram considerados sujos) de Xoupex. Conversa vai, conversa vem, começa uma discussão pra ver quem consegue chutar uma bola da La Macabra (ponto/atrativo turístico localizado nas arquibancadas da Praça) até dentro do lote do Solenin. Desafio aceito.
Xoupex era conhecido como o Terror do Futebol. Mas não pelas suas habilidades nos gramados. Sempre que a galera reunia para ver jogos na TV a cabo, lá estava Xoupex, com um radinho e fones no ouvido. O atacante entrava na área e o garoto já começava a pular no sofá gritando gol ou “puta que pariu foi pra fora.”
Mas sobre futebol, uma habilidade dele deixava todos de cara: a potencia dos seus chutes. Nas três primeiras tentativas ele já conseguiu chegar até na calçada. Outros que tentaram aceitar o desafio não conseguiram passar nem da metade da Praça. Só é importante ressaltar, que já eram cerca de 2h30 da madrugada e ninguém queria ir embora enquanto não visse um feito histórico: o lendário chute de dezenas de jardas sendo realizado na frente dos seus olhos. Pouco tempo depois, ele conseguiu concluir o feito, mas o povo ainda queria mais, queriam ver ele fazer novamente e ainda com mais força no pé!
Xoupex preparou um chute daqueles bem potentes e meteu o pé na bola. Inacreditavelmente, contrariando todas as leis da física, todos os presentes viram um carro se aproximando. Chance de acerto da bola no carro: 0,00002%. O carro, que vinha em alta velocidade, foi atingido em cheio no vidro dianteiro. Todo mundo parou e ia dizer “puta que pariu!”, mas antes que o cérebro enviasse o comando para a boca proferir estas palavras, os olhos notaram que o carro se tratava de uma viatura policial. Chance de isso acontecer: 0,00000000001%.
Todos ficaram sem fala, e só queriam dar um jeito de se safarem dali para não serem presos. Imaginem a reação dos policiais: você trafegando tranquilamente numa noite de sexta feira, às 2h42 da manhã, tudo calmo, quando de repente o seu carro é atingido por uma bolada bem forte. Rapidamente, os “homi” desceram da viatura e já queriam tirar satisfação, quando Xoupex se aproximou e com um jeitinho e uma boa lábia se desculpou com os caras. Por ser amigo de um dos policiais o jovem foi apenas advertido:
- Parem com a bola. Isso não é hora nem local para jogar futebol.
Sorte que Xoupex apenas disse que estavam “jogando futebol”. Imagina se ele conta que atravessou a Praça com um chute? Os policiais iam levá-lo para o manicômio e os presentes teriam que testemunhar um feito heróico.
Em algum outro lugar do mundo, ele deve estar contando esse caso da bolada para alguma rodinha de amigos e ninguém deve estar acreditando nele, como ninguém acreditou na história da Brasília. Porém, conhecendo Xoupex e assistindo uma de suas façanhas, tudo passa a ser a mais pura verdade.

domingo, 16 de janeiro de 2011

#03 - Fuscão Preto

Fuscão Preto

Era uma noite de verão, sábado. O tédio rompia as entranhas de um grupo de adolescentes que resolveram sair para comer uma panqueca em um trailler qualquer, situado no topo da cidade. A vista do local era linda. Era possível enxergar as diversas luzes que compunham o cenário arquitetônico noturno da cidade. Mas ninguém ligava para as luzes, pelo menos no momento de comer. Hora sagrada.
As regras de etiqueta não existiam para aquele povo. Bastava um piscar os olhos para que o outro furasse a garrafa de refrigerante com a faca, fazendo com que a pessoa que fosse servir sujasse toda a sua roupa com o líquido que escorria pelo buraco. Brincadeira de mau gosto, os outros riam de bom grado.
Conversa vai, conversa vem. A bagunça era geral como de praxe. Até que em determinado momento um black-out assombra todo o bairro. A gritaria foi intensa e tão logo já começaram as piadas:
- Tira a mão do meu pa*, ta doendo!
- Quem tá passando a mão na minha b*nd*?
Piadas seguidas de gritos eufóricos de pseudo-medo, só para aproveitar a chance de gritar. No trailler, a dona do estabelecimento solta um berro e manda o grupo de jovens terem respeito, já que o lugar era um local de família, e a boa índole sempre deveria prevalecer.
Ofendidos e sem graça, os jovens cogitaram a hipótese de correr no escuro sem pagar. Mas como vários companheiros moravam nas redondezas, a fuga seria um fiasco e sujaria o nome dos pais dois coitados nas praças da cidade. Comeram, pagaram e saíram.
No momento de deixar o estabelecimento, pararam e contemplaram a escuridão. Não havia nada ao redor e era impossível enxergar qualquer ser vivo que não estivesse há uns 25 centímetros de distancia. Pra piorar, o bairro era famoso por ser uma região um pouco violenta, e vagar pelas ruas sem iluminação era pedir pra morrer.
O grupo era pequeno, cerca de oito jovens. Sem acharem solução de como ir embora, alguns deles decidiram dormir na casa de Nobre, um garoto que morava alí pelos arredores. Enquanto isso, Norlam, o mais velho da turma, estava de carro e era o único que dispunha de meios seguros para ir embora, então ele recusou a proposta pra dormir na casa de Nobre e foi até a esquina pegar o seu possante.
Norlam colocou a chave na maçaneta de seu Fusca e girou, mas nada aconteceu. Estaria ele errando a chave ou o buraco devido ao apagão? Bem provável. Continuou tentando e nada.
- Precisa de ajuda? – Pergunta um dos amigos
- A porta deve estar emperrada. Ela trava assim mesmo.
Nisso, Norlam segurou a maçaneta com mais força e tentava puxar a porta, forçando o pé contra a porta pra ganhar impulso. Nada. A porta não abria.
Neste instante, a porta da casa da frente se abre e um homem gordo, sem camisa, com um pedaço de pau na mão surge e diz com uma voz nada gentil:
- Que que você ta querendo muleque!? Ta tentando roubar meu carro assim, na cara dura?
Norlam, que já não era de muita conversa ficou mudo. Sem saber o que fazer, olhou ao redor procurando uma luz nas trevas e finalmente percebeu o seu erro.
Andou lentamente e, sem graça, virou pro dono e disse:
- Oh! O meu Fusca é aquele ali! - E se dirigiu para um outro automóvel idêntico ao que ele tentara arrombar, estacionado há uns 15 metros de distancia.
O homen ficou sem reação no portão de sua casa, enquanto o joven ligava o carro e sumia na escuridão. Por pouco ele não perdera a vida por causa de um simples engano.
Enquanto isso, o pobre Nobre levou os amigos pra dormirem na sua casa. Em cima de uma das camas, havia uma televisão que eles haviam tirado da estante para colocar o computador. Um dos nômades, de nome Tesuma Agalo, estava brincando de equilibrar o eletrodoméstico com os pés, quando, de repente, coloca um pouquinho de força a mais e a TV colide contra o chão. Tudo que o povo ouviu na escuridão foi o último suspiro dos fusíveis da televisão deixando o plano material. Sorte que as trevas tamparam as lágrimas que escorriam pela face de Nobre, prevendo o que acontecia quando sua mãe recebesse a notícia do ocorrido.


Post Scriptum

Enfim, este é meu novo projeto. Estava só esperando juntar uns 20 contos pra publicá-los e fazer uma compilação no final, que por enquanto eu denomino "Curriculum Merdae". São pequenas anedotas contadas em mesas de bar que já aconteceram com o povo da turma. Fatos que se contar ninguém acredita - é com esse mote que eu vou escrever as histórias. Minha meta não é ofender ninguém com isso, visto que os nomes serão todos fictícios. O que eu quero é treinar a minha escrita para uma área que eu não tenho o costume de escrever. Quero treinar meus recursos narrativos. Eu sou muito dissertativo, preciso espandir meus horizontes, então, sintam-se livres pra me corrigir e dar palpites. Se alguém tiver sugestões de casos cômicos também eu agradeço. E se alguém quiser contar um causo, sinta-se livre também. Basta usar a numeração #21 e continuar. Pra quem não sabe, a #01 e a #02 já foram postadas (A mulher fogosa do Jazz e a Batida de Carne (do Fuca)) .
Sei que esse ficou sem graça, mas é so pra lembrar mesmo. Daqui uns 10 anos a gente ri disso, do mesmo jeito que a gente ainda ri da ponta do iceberg, quando já colidimos frontalmente com ele!