quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Cape Town, Cape Town

Resolvi teclar algumas palavras para tentar descrever um pouco da minha experiência visitando uma das cidades mais bonitas do mundo, Cape Town, na África do Sul. Sempre que conheço um lugar novo, tenho em mente dois fatores: o lugar e as pessoas. Às vezes podemos ir para um lugar horrível, mas com as melhores companias e a viagem se torna fantástica, da mesma forma que podemos estar sozinho em um lugar lindo e a viagem ser um tédio. Nessa breve resenha, vou me atentar apenas ao lugar, deixando as bagunças e as situações engraçadas para uma outra oportunidade. Quando alguém decide ir pra fora, logo vem à cabeça: Europa, os States, a Austrália, mas nunca ouvi brasileiros falando de ir para a África do Sul. Eu mesmo não tinha vontade alguma de conhecer esse país e acabei indo pela comodidade de ter um casal de amigos morando lá, o que facilitaria e muito a viagem. Eu evitei ao máximo procurar informações na Internet para não perder a graça. Odeio viagens roteirizadas e isso foi um diferencial e tanto na minha jornada. Essa questão de “segunda tenho que ir ao Museu X, terça almoçar no restaurante Y, quarta passear na avenida Z…” acho que destroi a exploração e faz com que a viagem pareça mais uma obrigação do que uma diversão. Como chegamos à noite, o choque cultural e geográfico não foi tão perceptivo à primeira vista. Depois de um longo voo, só queriamos um chuveiro e uma cama, e quando vimos as luzes da cidade e o transito forte, pareciamos que estavamos ainda no Brasil, em uma cidade grande como Belo Horizonte ou São Paulo. No dia seguinte, a mágica começou a acontecer. Saímos para caminhar sem rumo, sem objetivo, sem destino. O inglês ainda não teve chance de ser posto em prática, apenas na leitura de placas, outdoors e propagandas, que eram o único indício de que estavamos no exterior. Nesse dia, acredito que andamos mais de 20 quilometros pela costa da cidade. As praias eram lindas e limpas, porém o tempo frio e as fortes ventanias (que entortam árvores e derrubam bicicletas) tornavam o ato de nadar impossível. A Cidade do Cabo possui de tudo: praias, montanhas, opções de safari nas mediações, parques temáticos, arquitetura extreamamente moderna e uma vida noturna fantástica. Por outro lado, em meio a tanta riqueza, em cada canto nos deparamos com a pobreza discrepante que existe no país. Parece que ou todo mundo é rico ao extremo ou pobre ao extremo, não existe o meio-termo. Mas uma coisa me chamou atenção: pobreza não é sinal de violência. Nas duas semanas que estive lá, não vi um roubo, uma briga ou um assalto. As pessoas são apenas pedintes. E pedem de tudo. Eles te seguem pelas ruas, insistem em te vender algum artesanato, tentam vigiar o seu carro, carregar suas compras, te ajudar a atravessar a rua, qualquer coisa é valida em troca de uma moedinha. Chegam a ser desagradaveis, pois te seguem pela rua, o que gera o medo em alguns turistas, mas hora nenhuma eles te encostam ou fazem algum tipo de ameaça. E os pedintes não habitam apenas as ruas. Até em locais de trabalho eles pedem para tentar ganhar algo a mais. Houve ocassiões em que em uma fila de supermercado, ao chegar ao caixa, a mulher que nos atendeu pedia a bolsa, ou o óculos que você estava usando. Garçonetes pediam alguma coisa ao te atender e isso gera um leve desconforto, pois somos acostumados com a malandragem no Brasil e lá nós desconhecemos os projetos assistenciais e como é o padrão de vida deles, mesmo de quem tem um emprego fixo. O troco também era sempre voltado errado, o que gerou uma desconfiança de que eles estavam agindo de má fé. Mas ouve dois episódios em que esquecemos carteira e celular em taxis e em ambos os casos, os itens foram devolvidos em casa. Coisa que nunca aconteceria aqui no Brasil. A diversidade cultural também é enorme no país. Tive contato com gente de todos os cantos do mundo e pude absorver um pouco da cultura de cada um deles. Conversar com gente estranha é um exercício e tanto. Mesmo eu sendo tímido, não perdia uma oportunidade de treinar o meu inglês. A atendente do fast-food, alguém que senta ao seu lado em um ônibus, qualquer pessoa em uma fila… são todos ótimos parceiros para um treino. E quando eles te entendem você fica satisfeito e acredita que seu inglês não está lá uma merda. Ouvir eles às vezes é um pouco difícil, pois eles misturam o inglês britânico com um pouco das suas línguas nativas africanas e isso dificulta um pouco a compreensão. Infelizmente a cidade ainda sofre com a segregação racial. Em alguns bares eramos tratados mal por sermos brancos. Parece que nossa presença lá incomodava a comunidade negra que ali frequentava. Houve ocassiões em que algum gerente vinha e nos pedia para mudar de lugar, sentar mais ao fundo, coisas desse tipo. Brancos às vezes chegavam até nós dizendo frases “Stay White Together”, querendo que nós nos aliassemos a eles nessa briga cultural, mas bastava ignorar. Porém em outros lugares, eles lutavam para quebrar esse paradigma. Entramos em um bar de negros uma vez e logo já queriamos ir embora, pois ficamos meio hostilizados com o ambiente. Mas logo um funcionário já veio, puxou os banquinhos, nos pediu para sentar, nos tratou super bem e foi uma das melhores noites que passamos lá. Ele explicou que existe sim essa diferença, mas que eles querem mudar essa imagem e foi muito bom conhecer o outro lado. Entretanto o problema também está em nós. Eu mesmo ficava com um ar interrogativo quando algum branco me falava que era sul-africano. A cena mais desagradável que eu presenciei foram uns ingleses chamando a cidade de “Ape Town” (cidade dos macacos). Isso me deixou triste, mas fiquei feliz ao ver o quanto o Brasil está evoluido nessa questão do racismo. A comida também foi um obstáculo curioso. Logo senti falta de um bom prato de arroz e feijão. Passar 15 dias comendo batata foi difícil. Lógico que eu queria experimentar o novo, mas os temperos apimentados acabaram com meu paladar e estômago e agora não consigo ver pimenta nunca mais. Mas tiveram coisas fantásticas como a carne de avestruz e os cogumelos. Tudo que eu comia que vinha com alguma dessas duas coisas era maravilhoso. Colocar abacate em tudo também foi um susto a princípio. Você pede um sanduíche e lá está aquela gosma verde entre o hamburguer e o presunto, mas acaba que o sabor é muito bom. As cervejas deles são inferiores às nossas, porém o preço é tão inferior também que você acha o máximo pagar o equivalente a 50 centavos em uma long neck. Os lugares mais legais que visitei foram os abertos. Curti muito o Cabo da Boa Esperança, local de encontro dos dois oceanos. A Table Mountain é indescritível. É uma experiência de superação subí-la, mas a recompensa de ser contemplado com a vista da cidade é extremamente válida. São quase 18 quilômetros de caminhada para subir e descer. A Lion’s Head também é legal, mas ela perde a graça depois que você vai à Table, pois é menor e menos desafiadora. Não dá para listar todos os bares, mas existe a Long Street onde há vários bares, cada um com seu tema e atrações. Um que gostamos foi o Dublin, com a temática irlandesa. Nele há shows de segunda a segunda e eu curti muito as bandas de lá. Dentre as opções de safari, escolhemos o Inverdoon. Deu para ver todos os tipos de animais exóticos: elefantes, girafa, gnu, chethah, cudu, springbok (cabra-de-leque), rinoceronte, avestruz e leões. Pudemos conhecer também a vinícola Groot Constantia e beber todas as amostras grátis possíveis do catálogo deles e também visitar o aquário e dar um rolé em um barco pirata. Visitamos também alguns museis legais, como o museu da escravidão, que na ocasião exibia um projeto para a quebra do preconceito contra portadores do vírus HIV, e o museu dos animais, onde foi possível ver inúmeras espécies de animais empalhados. E sempre que podíamos, iamos para o Water Front, apreciar a vista linda da roda gigante e tentar comer tudo que podíamos. E também pude passar o meu aniversário em um Cassino enorme, que infelizmente não pude fotografar nada lá dentro por questões de privacidade. Há também as leves diferenças que logo você acostuma, como jogar o papel higiênico na privada ao invés do cesto de lixo, dirigir na mão inglesa ou comprar energia elétrica antecipadamente, como se estivesse colocando créditos em seu celular. A música e dança deles também é muito chamativa. Em todas as praças sempre há alguém tocando algum tipo de instrumento e a maneira que as pessoas dançam é bastante curioso quando comparamos com o nosso estilo. A voz dos caras que passam de van ao seu lado gritando “Cape Town, Cape Town!” tentando te fazer usar o transporte deles ecoa na sua mente o dia todo. Não tenho muita experiência de viagem, mas isso é um pouco do que eu vivi e gostaria de compartilhar com alguém. Recomendo a todos que puderem ter a oportunidade de conhecer essa cidade a não pensarem duas vezes e irem. Só tomem cuidado com os babuínos… (mas isso é assunto para um outro texto).

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Reação às reações

Sempre que alguma nova rede social aparece, o comportamento humano pode ser estudado sobre um novo patamar e nós demoramos a nos adaptar a alguma mudança proposta. Quantas vezes a privacidade de postar fotos no Orkut foi questionada, e hoje isso é algo bastante natural e que acontece a todo momento em dezenas de aplicativos simultaneamente. Cada vez mais somos surpreendidos com determinadas exposições, mas o que mais me espanta e causa irritação ultimamente são os vídeos de reações. Não sei quando essa moda surgiu. Acredito que foi uma vertente dos podcasts e vlogs que comentavam algum assunto específico. Esses, eu até acho válidos às vezes. É como você assistir a um programa de esportes na TV, onde várias pessoas que, em teoria, detém um conhecimento avançado sobre o assunto discutem aquela partida e te ajudam a compreender determinados aspectos que talvez não ficaram claros ou te fazem ver a situação em outro prisma. Mas você também pode discordar dos formadores de opinião e isso também é um bom exercício argumentativo e te ajuda e muito a elaborar discussões seguindo uma linha de pensamento racional e coerente. Porém, atualmente, é fácil encontrar no Youtube vários vídeos de pessoas comuns, fazendo suas reações a determinado conteúdo. É possível ver pessoas ouvindo uma música, assistindo a um vídeo ou até mesmo lendo alguma coisa pela “primeira vez”. Eles juram de pés juntos que não conhecem aquele conteúdo ainda e querem passar para os seus seguidores o seu sentimento de estar vivenciando aquilo pela primeira vez. Se a reação é verdadeira ou se não passa de um teatro, parece não importar. Há sempre alguém assistindo. E o pior: tem pessoas que deixam de ver algo para esperar a reação de determinada pessoa sobre aquilo. Eles preferem assistir a um filme através dos olhos de outro do que apreciarem a obra por si mesmos. Eu entendo isso como um grave problema. Sempre é discutida a questão da distância social que a Internet nos causa, como também da necessidade de ser alguém que você não é para conquistar atenção de alguém. Mas esse patamar é mais profundo. Indica que as pessoas não são mais capazes de sentir. A arte vai perdendo sua graça. Estamos vivendo experiências através da opinião alheia. Se fulano gostou é bom, se ele fez uma resenha negativa, não quero. Ou “o que fulano acha disso?” ao invés do “o que eu achei, foi bom, foi ruim?” Ainda é cedo para nos dizer até onde isso vai nos levar. É triste assistir crianças dando mais atenção a alguém jogando um determinado jogo do que elas mesmas jogarem e aproveitarem aquele momento. E essa geração já está crescendo com isso, como robôs sem sentimentos e que parecem querer aprender a gostar de algo. Tenho medo do que nos aguarda. Daqui a pouco, coisas simples como um abraço, um passeio com os amigos ou uma noite em um bar podem ser sentimentos desconhecidos, cujas pessoas estarão presenciando através de terceiros, esquecendo como é bom sentir o que a vida nos oferece. Que a única reação que importe seja a sua, pois cada ação terá uma reação. Você pode ignorar a sua ação e curtir a reação dos outros, ou pode agir e vivenciar aquilo por si mesmo, e a reação que você terá é de ter vivido e não apenas existido. Reação às reações

quinta-feira, 22 de junho de 2017

A beleza de um Mosh

Se tem um lugar onde eu me sinto feliz é dentro de um Mosh. Aquele aglomerado de pessoas vestidas de preto se esmurrando, chutando, dando cotoveladas, dançando freneticamente sem ritmo e rodando de um lado para o outro em um frenesi total. Isso sim é um expurgo para a alma. Os moshes, ou mosh pit, também conhecidos no Brasil como roda punk ou bate-cabeça, são a maior expressão de agressividade amorosa que existe. Toda forma de arte causa certa sensação em quem se alimenta dela. A música é uma das melhores delas. Há quem chore ao ouvir um MPB ou sertanejo e há quem entre no cio ao ouvir um funk. Já outros dançam ao som das divãs do Pop, enquanto uns mais descolados viajam para dimensões intergaláticas ao som de um progressivo. Mas e quem gosta de um gênero mais pesado? A única alternativa é o Mosh. Ali a pessoa pode soltar toda sua agressividade e energia retraída em outras pessoas que também desejam o mesmo. E o mais interessante é que o gênero, que na maioria das vezes é tachado por ser composto por cidadãos perigosos e mal encarados, sempre atrai gente do bem. Você não vê uma briga em show de rock. Não vê um furto. Não vê putaria. Só vê gente que ama a música e ama quem ama a mesma música que ele. Então, no mosh, você descarrega toda a sua agressividade sem ferir o próximo. Mesmo empurrando a pessoa, os cotovelos são mantidos afastados para evitar machucar alguém. A pessoa caiu? Rapidamente várias mãos são erguidas e alguém forma uma barreira até que ela esteja de pé. Usou óculos, vacilou, e foi para o mosh com eles? Alguém vai te devolver assim que os encontrar, mesmo que seja somente a armação toda torta. Há quem diga que odeia essa bagunça, que estraga a festa e que é uma palhaçada. É claro que é. Todo mundo ali é babaca de nascença por estar feliz naquele ambiente. Jogar cerveja para cima e molhar os outros? Até parece que mosheiro tem dinheiro para jogar cerveja fora! A sociedade deveria aceitar essa forma de manifestação, como aceitam crianças de oito anos rebolando até o chão ao som de um MC mirim. O dia em que você estiver muito nervoso, ou ansioso com algo, experimente adentrar em mosh. Te garanto que você não sairá de lá o mesmo. Doi o corpo, mas cura a alma.