domingo, 16 de janeiro de 2011

#03 - Fuscão Preto

Fuscão Preto

Era uma noite de verão, sábado. O tédio rompia as entranhas de um grupo de adolescentes que resolveram sair para comer uma panqueca em um trailler qualquer, situado no topo da cidade. A vista do local era linda. Era possível enxergar as diversas luzes que compunham o cenário arquitetônico noturno da cidade. Mas ninguém ligava para as luzes, pelo menos no momento de comer. Hora sagrada.
As regras de etiqueta não existiam para aquele povo. Bastava um piscar os olhos para que o outro furasse a garrafa de refrigerante com a faca, fazendo com que a pessoa que fosse servir sujasse toda a sua roupa com o líquido que escorria pelo buraco. Brincadeira de mau gosto, os outros riam de bom grado.
Conversa vai, conversa vem. A bagunça era geral como de praxe. Até que em determinado momento um black-out assombra todo o bairro. A gritaria foi intensa e tão logo já começaram as piadas:
- Tira a mão do meu pa*, ta doendo!
- Quem tá passando a mão na minha b*nd*?
Piadas seguidas de gritos eufóricos de pseudo-medo, só para aproveitar a chance de gritar. No trailler, a dona do estabelecimento solta um berro e manda o grupo de jovens terem respeito, já que o lugar era um local de família, e a boa índole sempre deveria prevalecer.
Ofendidos e sem graça, os jovens cogitaram a hipótese de correr no escuro sem pagar. Mas como vários companheiros moravam nas redondezas, a fuga seria um fiasco e sujaria o nome dos pais dois coitados nas praças da cidade. Comeram, pagaram e saíram.
No momento de deixar o estabelecimento, pararam e contemplaram a escuridão. Não havia nada ao redor e era impossível enxergar qualquer ser vivo que não estivesse há uns 25 centímetros de distancia. Pra piorar, o bairro era famoso por ser uma região um pouco violenta, e vagar pelas ruas sem iluminação era pedir pra morrer.
O grupo era pequeno, cerca de oito jovens. Sem acharem solução de como ir embora, alguns deles decidiram dormir na casa de Nobre, um garoto que morava alí pelos arredores. Enquanto isso, Norlam, o mais velho da turma, estava de carro e era o único que dispunha de meios seguros para ir embora, então ele recusou a proposta pra dormir na casa de Nobre e foi até a esquina pegar o seu possante.
Norlam colocou a chave na maçaneta de seu Fusca e girou, mas nada aconteceu. Estaria ele errando a chave ou o buraco devido ao apagão? Bem provável. Continuou tentando e nada.
- Precisa de ajuda? – Pergunta um dos amigos
- A porta deve estar emperrada. Ela trava assim mesmo.
Nisso, Norlam segurou a maçaneta com mais força e tentava puxar a porta, forçando o pé contra a porta pra ganhar impulso. Nada. A porta não abria.
Neste instante, a porta da casa da frente se abre e um homem gordo, sem camisa, com um pedaço de pau na mão surge e diz com uma voz nada gentil:
- Que que você ta querendo muleque!? Ta tentando roubar meu carro assim, na cara dura?
Norlam, que já não era de muita conversa ficou mudo. Sem saber o que fazer, olhou ao redor procurando uma luz nas trevas e finalmente percebeu o seu erro.
Andou lentamente e, sem graça, virou pro dono e disse:
- Oh! O meu Fusca é aquele ali! - E se dirigiu para um outro automóvel idêntico ao que ele tentara arrombar, estacionado há uns 15 metros de distancia.
O homen ficou sem reação no portão de sua casa, enquanto o joven ligava o carro e sumia na escuridão. Por pouco ele não perdera a vida por causa de um simples engano.
Enquanto isso, o pobre Nobre levou os amigos pra dormirem na sua casa. Em cima de uma das camas, havia uma televisão que eles haviam tirado da estante para colocar o computador. Um dos nômades, de nome Tesuma Agalo, estava brincando de equilibrar o eletrodoméstico com os pés, quando, de repente, coloca um pouquinho de força a mais e a TV colide contra o chão. Tudo que o povo ouviu na escuridão foi o último suspiro dos fusíveis da televisão deixando o plano material. Sorte que as trevas tamparam as lágrimas que escorriam pela face de Nobre, prevendo o que acontecia quando sua mãe recebesse a notícia do ocorrido.


Post Scriptum

Enfim, este é meu novo projeto. Estava só esperando juntar uns 20 contos pra publicá-los e fazer uma compilação no final, que por enquanto eu denomino "Curriculum Merdae". São pequenas anedotas contadas em mesas de bar que já aconteceram com o povo da turma. Fatos que se contar ninguém acredita - é com esse mote que eu vou escrever as histórias. Minha meta não é ofender ninguém com isso, visto que os nomes serão todos fictícios. O que eu quero é treinar a minha escrita para uma área que eu não tenho o costume de escrever. Quero treinar meus recursos narrativos. Eu sou muito dissertativo, preciso espandir meus horizontes, então, sintam-se livres pra me corrigir e dar palpites. Se alguém tiver sugestões de casos cômicos também eu agradeço. E se alguém quiser contar um causo, sinta-se livre também. Basta usar a numeração #21 e continuar. Pra quem não sabe, a #01 e a #02 já foram postadas (A mulher fogosa do Jazz e a Batida de Carne (do Fuca)) .
Sei que esse ficou sem graça, mas é so pra lembrar mesmo. Daqui uns 10 anos a gente ri disso, do mesmo jeito que a gente ainda ri da ponta do iceberg, quando já colidimos frontalmente com ele!

Um comentário:

Tchô disse...

Pode ter até ficado sem graça, mas eu ri mto ao lembrar desse caso, ainda mais depois de ter escutado ele sob as vozes de umas 7 pessoas diferentes. XD